A cor, composição e interpretação na pintura


Estive um ano à espera e cá estou eu novamente. Estou matriculada no meu 2º ano de Pintura, na Faculdade de Belas Artes do Porto e estou muito contente…

A minha amiga Elsa, companheira do meu 1º ano, ficará sempre na minha memória … pois quando entro na sala de aula (a mesma), revejo-a sentada, muito compenetrada, debruçada sobre um qualquer desafio proposto. Foi um ano inesquecível, de partilhas de conhecimentos, de idas e vindas, de esperas… Mas a vida continua. A dela ficou dedicada a causas maiores e a minha presa a este projeto que este ano volta a iniciar, agora com uma 2º matrícula.

As aulas já começaram a sério e iniciamos o nosso primeiro exercício sobre a Teoria da Cor

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A bem dizer o que parece obvio nem sempre o é. A cor na realidade só existe por há luz. Nada de novo, é do senso comum. É um fenômeno fisiológico, de carácter subjectivo e individual. Por isso cada um pode interpretá-la de forma diferente.

Quem pinta, e não só, tem de entender as cores. São elas o seu veículo de comunicação. Não basta saber conjugá-las, saber o seu nome, a sua constituição, é preciso também conhecer a sua “personalidade”.  Por isso saber dissociá-las do seu contexto sensorial e percecioná-las quanto ao grau de pureza (matiz), quanto à sua tonalidade (saturação), e quanto à sua luminosidade (valor) é fundamental para se criar composições ideais.

1º EXERCÍCIO

Nesta primeira aula, com base numa imagem à nossa escolha, e apenas com as três cores primárias / três cores secundárias, tivemos de recriar o caráter tonal da imagem. Complicado? Não. Apenas engenhoso e muito interessante…

Aqui está a imagem que escolhi. Trata-se de uma composição fácil, onde é possível identificar linhas estruturantes verticais, horizontais e diagonais. Ao transpô-la a preto e branco é possível distinguir os objetos devido à gradação de tonalidades. É com base nesse princípio que passamos a realizar o nosso primeiro exercício:

 – Preparar as cores em quantidades suficientes e em intensidades diferenciadas. Como eu trabalhei, e passarei a trabalhar durante o resto do ano, com aguarela tive de uniformizar a relação água /pigmento, de forma à cor não se alterar em cada pincelada.

Depois apliquei as cores obtidas na folha (300 gr) a fim de verificar a diferença de tons. Aqui está o resultado.

O roxo (cor secundária – azul + magenta) tem um tom muito semelhante ao verde e o magenta assemelha-se ao tom do laranja. Ora o nosso objetivo é ter uma graduação de tons feita a partir das cores. Tive por isso de reajustar a quantidade de pigmentos para intensificar alguns tons e acrescentar água, nas cores que pretendia ficarem mais ténuas.

Conclusão do ajuste:

  • Tonalidade mais claras
    1º – Amarelo
    2º – Verde
    3º – Roxo
    4º – Magenta
    5º – Laranja
    6º – Azul (ultramarino)
  • Tonalidade mais escuras

 – Depois de preparadas as cores e conhecer a gradação de tonalidades, dividi a imagem em 6º zonas, simplificando-a o desenho.

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Parece um pouco esquezito, mas na realidade, quando esquecemos as cores e consideramos apenas os tons, o resultado fica assim. Interessante, não?

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 – Finalmente tive que dar um ar de graça ao trabalho, pois era preciso ainda intensificar as cores (os tons mantêm-se).

Passei várias camadas de cor nas respetivas zonas identificadas.
Acabei depois por delinear com caneta e pronto, o meu primeiro trabalho terminou.
Estou muito contente com o resultado.

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Recapitulando

O exercício proposto era o de recriar o caráter tonal de uma imagem ao nosso gosto. Objetivo: distinguir cor de tonalidade. Parecem dois conceitos iguais mas quando se pinta é importante saber diferenciá-los. É que também ligado a cada um deles a leitura visual que será obtida dar-nos-á uma compreensão distinta do espaço em questão.

Para isso escolhi um enquadramento espacial simples, com planos e contrastes bem diferenciados, o que me permitiu segmentar com nitidez a gradação de cores.

O exercício consistiu em reproduzir a imagem em três contextos cromáticos:
1 – cores primárias / cores secundárias
2 – cores quentes
3 – cores frias

1 – cores primárias / cores secundárias

Conclusão: Relação cores / tom foi conseguida. A gradação de tons resultou pela diferenciação de claros / escuros.

2 – cores quentes

Conclusão: Conseguir uma gradação de tons quentes não foi fácil, sobretudo porque a aguarela é muito instável e transparente. Depois de alguns ajustes foi possível estabilizar a relação cor / tom e atingir o objetivo pretendido

3 – cores frias

Conclusão: Denota-se uma clara evolução na aplicação da técnica (aguarela), quando comparo o primeiro e o terceiro trabalho, talvez porque tenha refeito este último duas vezes. Na realidade tive dificuldade em aplicar os azuis. É que na aguarela não é obvio trabalhá-los para obter uma área limpa, pois tratam-se de pigmentos que não se conseguem totalmente dissolver, conferindo, caso não se deixem repousar, um aspeto texturado. Depois de muitas tentativas lá consegui superfícies azuis “limpas”.

Este último trabalho foi o que, dos três, obteve um resultado menos satisfatório. Os desajustes são visíveis quando se estabelece uma comparação com a figura a preto e branco. Caso eu não tivesse delineado as arestas do banco não se diferenciariam o lado, do tampo, apesar das cores serem distintas. A solução passaria por aumentar a gradação do tom associado ao lado frontal do banco (lado sombreado). Também o tom do encosto (tom mais escuro) afasta-se em excesso do conjunto dos restantes tons, o que desequilibra gradativamente a imagem.

Apesar destas considerações penso ter conseguido o que era pretendido: diferenciar COR e TOM.

2º EXERCÍCIO – REGRAS DE COMPOSIÇÃO EM PINTURA.

Há quem pense, inclusive eu, até há pouco tempo atrás, que pintar é um pouco um ato espontâneo, fruto de um momento de inspiração.
Esta minha ideia tem certamente uma dose de verdade pois afinal se assim não fosse como se justificaria tantos bons artistas a expressarem a sua paixão pela pintura, por este mundo fora, sem nunca terem ouvido falar em “secção dourada” ou em “dramatização de possibilidades expressivas” (palavrões esquisitos!!!!!).
Mas pintar é muito mais do que libertar a imaginação e colorir uma tela.
Este ano estou a descobrir que esse ato, supostamente irrefletido e inconsciente, pode ser sublimado com regras bem explícitas.
Este é pois o pressuposto para realizar o segundo exercício do  curso.

Como criar uma pintura harmoniosa?

Fase I – O resultado final deverá responder às seguintes perguntas:
1- Onde está o centro de interesse?
2 – Existem contrastes?
3 – Quantos elementos existem e como estão dispostos?
4 – Qual a paleta de cores que domina? Quente ou fria?
5 – Existe Unidade/Variedade?

Proponho aqui mostrar passo-a-passo a resolução deste exercício através do trabalho que escolhi.

1 – Escolhi várias imagens a gosto

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2 – Criei duas maquetes de possíveis composições com as imagens selecionadas

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Fase II

3 – Faltava contudo o contexto espacial. Optei por uma das maquetes e tive de adaptá-la, recolocando a janela no centro do quarto. Desmembrei a figura das meninas reaproveitando um dos bonecos, colocando-o no canto inferior direito. Respeitei a hierarquia dos tamanhos e apliquei-a também ao boneco colocando, à sua direita, outro de maiores dimensões. Concentrei as estrelas do lado direito dando-lhe contudo uma orientação ligeiramente para a esquerda. Queria dar a sensação de movimento.

O resultado ficou assim:

composicaofinal

Desta forma consegui uma composição harmoniosa visto que responde às 5 perguntas anteriores:

1 – Onde é o centro de interesse?
Duas meninas e Dois bonecos
2 – Existem contrastes?
Há contraste pelo tamanho dos elementos e pela cor.
3 – Quantos elementos existem e como estão dispostos?
Existem duas meninas, uma janeladois bonecos e um agrupamento de estrelas.
Os elementos estão dispostos segundo um esquema em triângulo de ângulo reto, isto é a composição está dividida numa diagonal onde à esquerda as meninas por estarem agrupadas e hierarquizadas por alturas formam visualmente um triângulo de ângulo reto. Há uma compensação de massas entre a densidade das meninas e o tamanho mais pequeno dos dois bonecos e das estrelas.
4 – Qual a paleta de cores que domina? Quente ou fria? (ainda em análise)
Domínio de cores frias, repousantes, própria do contexto da composição.
5 – Existe Unidade/Variedade?
Existe unidade conferida pela presença de vários planos e pela sobreposição de formas. Optei pela unidade do pastel e pelo contrate de cores frias e quentes. A variedade também é revelada pelo ritmo que consegui obter através da ordem do posicionamento dos elementos que levam a que a leitura da composição seja circular: Meninas -> Bonecos -> Estrelas -> Meninas.

Visto estar sustentada a minha composição “harmoniosa”, o próximo passo é passá-la para o papel e fazer o estudo das cores.

Fase III do meu trabalho sobre composição harmoniosa:

Estudo das tonalidades. Recriei a composição inicial com a incidência correta da luz. Este estudo vai auxiliar-me depois na aplicação da cor.

Assim ficou o resultado. Nada de complicado, apenas trabalhoso!

composicao_estudotonalidade

Fase IV – Estudo das cores.

Aí foi complicado.

Até aqui, quando eu pintava escolhia as cores que me davam na real gana, e nunca me pus a pensar porque o azul se devia aplicar em vez do verde ou a razão porque o vermelho não se devia conjugar com o castanho. É claro que nem sempre gostava do resultado obtido, mas também não sabia bem dizer porquê…

Para concretizar esta IV fase do segundo exercício, foram preciso vários dias para escolher a gama de cores a aplicar. A minha primeira ideia foi pintar o fundo (paredes) em cores frias (azuis) e os centros de interesse (meninas e bonecos) em cores quentes para dar contraste entre o inanimado e o animado e por outro para criar uma sensação de afastamento entre planos, visto que as cores frias criam esta ilusão.

Escusado dizer que tive de abandonar esta primeira ideia porque, depois de aplicar os azuis, o resultado foi de uma monotonia de morrer. O fundo não podia ser de uma só cor, mesmo de tonalidades diferenciadas, tinha de haver contraste de cores entre as paredes.

Tive de refazer o desenho…

Tive de voltar a pensar noutra gama de cores…

E à segunda… ficou assim:

composicao_resultadofinal

Acreditem em mim… o azul é definitivamente uma cor que não combina com este desenho.

De facto, o contexto visual gira em torno de duas meninas que brincam com os seus bonecos num quarto iluminado por uma grande janela. Há toda uma leitura sensorial associada à leveza e à tranquilidade que a frieza do azul destrói. E é por isso que cores puras  como os azuis ou quentes como os amarelos ou vermelhos, não devem ser aplicadas nesta composição, porque evocam sentimentos exacerbados. É também por isso é que as estrelas NÂO RESULTARAM, por estarem pintadas em amarelo e laranja e também pelo seu tamanho (deveria tê-las desenhado um pouco mais pequenas).

Já agora, deixo aqui uma questão para resolver. DE QUE COR DEVERIAM ESTAR PINTADAS AS ESTRELAS PARA A COMPOSIÇÃO FICAR MAIS HARMONIOSA? (Eu sei a resposta…😉 )

Bem, apesar deste pequeno percalço, estou muito satisfeita comigo. Penso ter solucionado o exercício proposto e sobretudo aprendi a sustentar as minhas escolhas. Em suma:

1- As cores que apliquei para as paredes foram o verde (cor secundária), o salmão e o cinza.
2 – As cores que apliquei para os centros de interesse foram sobreposições de amarelo com rosa, castanho e verde água.
3- Alternei cores frias e quentes para promover a dinâmica na composição sem no entanto deixar de evidenciar os meus centros de interesses.
4 – Consegui aplicar o princípio da Unidade na Variedade.

 

3º EXERCÍCIO – Interpretação da pintura

Quantas vezes me revi a duvidar do talento do artista perante uma obra abstrata ou simplesmente assumir uma postura de negação perante qualquer outra realidade que não  me parecia mais obvia!

Este 3º exercício veio a revelar-se muito importante, pois veio ajudar-me a desformatar o meu pensamento, treinando-o para apreender realidades mais abrangentes. É assim na pintura e é assim em tudo na vida. Há que ver para além das entrelinhas!

Contrariamente ao que pensava, as obras abstratas (as de qualidade, obvio!) não nascem do acaso. São fruto de um processo de maturação que por vezes levam anos até chegarem à forma como as conhecemos:

Estranho é pensar que Pollock nem sempre pintou gotejando tinta sobre a tela:

pollock

Que Edvard Munch pintava retratos como ninguém:

edvard_munch_

Ou que Kandinsky iniciou a sua carreira de pintor com representações paisagísticas.

exposicao_kandinsky

Surpreendente, não é? Eu própria não teria identificado estas obras como criações destes artistas que contudo são identificados como pintores ABSTRATOS.

Para compreender um pouco como ocorre essa maturação foi realizado o 3º exercício. A partir de uma imagem escolhida a gosto foi-nos proposto criar 3 trabalhos onde separadamente se procurou explorar/evidenciar: as seguintes características: 1 – Expressão; 2 – simplificação; 3 – abstração.

Esta foi a imagem que escolhi foi retirada do Pinterest e que me serviu como referência para os três exercícios.

exercicioiii_expressao

1 –  Evidenciar a expressão. Esta característica é traduzida pelo movimento do pincel ou pela textura conferida pela sobreposição de camadas de matéria. Para o acrílico ou o óleo, a expressão é uma característica fácil de conferir à obra, quando se trata de aguarela a situação altera-se, porque com esta última é impossível conferir textura por sobreposição  e deixar marcas de pinceladas pode arruinar a obra. Depois de analisar o vídeo do mestre Karl Martens, sugerido pela minha professora,  tentei resolver o problema da melhor forma. O segredo era libertar-me do modelo inicial e foi o que fiz!

exercicioiii_expressao1

 

2 – A simplificação é uma fase bastante interessante e penso que, para os meus colegas também, a mais fácil. Aliviar o modelo de elementos visuais ou simplesmente simplificar as cores tornando-as planas dá um aspeto final bastante mais leve. Optei por retirar alguns as gaivotas bem como as ilhotas, os sapatos e o rosto à mocinha.

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3 –  Finalmente o último trabalho e aquele que achei mais difícil. ABSTRAÇÃO. Compreendo agora, o quanto é difícil criar uma obra abstrata sustentada. Há toda uma lógica de desconstrução de um modelo inicial, nem sempre óbvio. Neste caso específico apoiei-me na simplificação e decidi eliminar as pernas da moça, dando desta forma alusão a uma fusão entre o corpo humano e a rocha. Eliminei a linha do horizonte mas recoloquei em recorte as sombras das gaivotas. As cores também foram alteradas, predominando os azuis esverdeados. Quis assim dar um apontamento sobre a empatia de elementos naturais como o mar e a rocha, bem como a nossa relação entre ambos personificado pela petrificação da moça.

exercicioiii_abstracao_v2